O presente de Natal que ofereço a quem me lê - .

16 dezembro 2017

O presente de Natal que ofereço a quem me lê

O ano passado escrevi este conto que foi publicado no Região de Leiria. Ofereço a quem não leu. E obrigada por continuarem por aqui.

O N@tal acontece!

Vinte gostos. Nada mau em dez minutos. Inês tinha acabado de publicar uma foto do arroz doce que a mãe fizera e que tinha um ótimo aspeto. Não que lhe tivesse tocado, já tinha comido duas filhós e parecia até que já sentia as calças mais justas.
- Ó filha, mas estás tão magrinha…-dizia-lhe a mãe com os olhos húmidos de carinho.
Estava ótima. E depois, se não estivesse, como é que se conseguiria ver nas fotos que o Ginásio da cidade publicava com regularidade? O esforço teria de compensar.
- Anda cá, mãe. Vamos tirar uma selfie!
Já está. “Eu e a minha guerreira”- escreveu, pensando que ficava sempre bem mostrar a admiração pela mãe, mesmo que não entendesse como podia ela não se importar em passar a vida a tomar conta dos outros, parecendo esquecer-se dela própria. Mesmo que lhe fosse difícil perceber como podia a mãe ter um sorriso puro e sincero de felicidade. A mãe sorria tanto de quê, afinal? E como é que ela conseguia ainda rir-se das piadas previsíveis do pai? Como é que ela ainda corava quando o pai gabava os seus talentos culinários? E como é que era possível que eles resmungassem tanto, mas parecessem ser, efetivamente, felizes um com o outro?
Estava online o João, a perguntar-lhe como estava. Iria ignorá-lo. Afinal, no perfil era uma coisa e ao vivo tinha-se mostrado mais anafado, mais careca, mais do mesmo. Não iria por aí. Queria era o António, mas esse estava indisponível. O António também a queria, sentia-o bem…o problema era que não a queria só a ela e ela sabia que, apesar de gostar de partilhar histórias, não lhe apetecia partilhar pessoas.
Meia-noite e ia embora. Já não aguentava mais família, mais histórias de quando ela e o irmão eram pequeninos, mais vamos fazer de conta que somos felizes porque é Natal.
Meia-noite e dois minutos e saiu. Tinha o T0 à sua espera. O espaço era pequeno, mas a zona era agradável e também para que queria ela uma casa grande se não recebia ninguém a não ser no seu ecrã? Entrou no prédio. Cheirava a canela. Inspirou o cheiro e deu por ela a sorrir, lembrava-lhe o cheiro da casa da mãe de onde acabara de sair.
- É por ser Natal que me está a oferecer esse sorriso?- ouviu o vizinho solteirão a perguntar-lhe.
Ficou perplexa. Como ousava aquele tipo pacato, de óculos como o poeta e ar meio apalermado meter-se com ela? No entanto, ao reparar na roupa que ele trazia vestida, em que nada combinava com nada, não conseguiu deixar de sorrir outra vez. Observou que nas mãos compridas ele segurava um livro. Reconheceu a capa como uma das suas leituras.

Sorriu pela terceira vez. Até que o vizinho tinha graça. Era de uma cidade diferente e deveria estar sozinho. Sem saber como, deu por si a convidá-lo para entrar. Ele pareceu algo surpreendido, mas acedeu. Passaram a noite de Natal a conversar e ela já não sorria apenas. Ela ria com gargalhadas cristalinas e sentia uma estranha sensação a invadir-lhe o peito. Descalçou os sapatos altos que lhe magoavam os pés e comoveu-se por sentir nela o olhar de anseio dele. Sentia-se estranha, com o coração quente e em sobressalto. Era um sentimento a que não estava habituada, era algo caloroso, era algo tão mágico que nem sabia o nome…Sabia apenas que, pela primeira vez, não queria partilhar nada no facebook.

2 comentários:

  1. Shut down!!! Ou ponto parágrafo - (justificação implícita no travessão). Tanto faz.

    A sorte do rapaz, da rapariga...

    O vermelhinho a correr com mais velocidade.
    Terá sido da roupa trocada?
    Terá sido das mãos compridas, do book?
    Terá sido dos saltos descartados?
    Dopamina?
    A resposta é não.
    Não houve indiferença de Natal, nem troca de prendas. Foi só a natural e humana amizade, perfumada de Natal.
    O cheirinho a canela ajudou...
    Assim foi e assim é.

    Boas Festas.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada por estares aí!
      Boas festas para ti e para os teus.
      Beijinhos

      Eliminar